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Volumes Alcoolicos - Textos

Mundo mágico chamado solidão.
Por Raisa.


“E tudo começa a parecer muito mais difícil do que realmente é.", escrevi na parede laranja, detesto essa cor, lembra-me uma mariposa que recebi dentro de um envelope vermelho, até hoje me pergunto como ela morreu, afinal o fim é o que realmente dignifica nossas histórias, e não nossas sim, pois nada é único- pessoal - intransferível, exceto a solidão. Os dias de chuvas pesam, ninguém mais morre graças aos novos guardas de trânsitos, acidentes não mais acontecem e os amores puros e degradantes tornaram-se efêmeros, caí no tédio, a falta profunda de qualquer relato, talvez um desafio, ainda assim escrevo, anoto para morrer ou matar e a cada vírgula dói mais, o não-existir também cria feridas.

Durmo. Não tenho prazeres, entretanto me afogo nas ausências e durmo, porque o sono também é uma tentativa de se salvar. Gosto de bancas de revistas, tantas coisas, tantas cores, se houvesse uma identidade que fosse exata na minha identificação eu provavelmente usaria dela para monta uma banca de revistas-jornais-livros. Um pequeno comércio de folhas multicoloridas numa esquina, a amizade com os idosos e suas palavras cruzadas, a ansiedade das crianças que ainda persistem na tentativa de completar o álbum de figurinhas e toda uma rotina tipicamente complementar, é sonho.

O peso da existência são as memórias que guardo, um amontoado de imagens perdidas num labirinto peculiar, figuras, palavras, impossível reunir e obter alguma lógica. Agora sou pessoal, apesar de não preferir absolutamente nada e render-me ao que chega com o fluxo, alguns chamam de fatalismo, eu simplesmente repito para fingir que o outro existe. Repito e anoto, porque ser feliz é estar fadado a não acumular memória alguma, feliz é quem aceita repetir-se sem mudar as palavras, sortudo é quem ainda assim torna-se essencial e não simplesmente suportável.

Pronomes indefinidos, não posso dizer que gosto delas, mas os decorei graças a umas aulas que ouço na rádio de músicas sobre Deus ou qualquer entidade espiritual desse nível, hoje em dia se aprende mais prestando atenção nos ponteiros do relógio do que ouvindo a voz da inexperiência, desatualizei-me. E continuo sem informações, prossigo só para preencher as linhas azuis, a margem vermelha no canto da folha ainda é uma provocação, a linha fixa entre o lado de cá e todo resto de lá, aqui o desânimo em tons tão claros que quase cegam de tanto reproduzirem-se em espelhos e do outro lado da rua uma vida, uma vidinha qualquer esperando um final, talvez um suicida ou apenas um tapa severo do tempo, em mim o silencio e em todos os outros o berro eterno dos lábios borrados de vermelho.

Acordar, escovar os dentes e tentar quebra-los logo após a raiva, arranhar as pernas, marcar as maçãs do rosto, desejar o nada e parar por cinco segundos para apreciar o vento intenso o bastante para varrer as folhas, um acidente seria bonito, um novo e visceral relato, a imprevisão é melhor ainda. Vermelho-marrom-preto, asfalto-sangue-cabelos, o meio-fio branco dividindo, quando se anseia por algo é possível até imaginar detalhadamente e nesse instante sorrir com os olhos vendados.

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