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Polêmica


Meu cigarro te incomoda?
Por Gabriela Scheibe
Publicado anteriormente no site Os Armênios

Numa certa madrugada de sábado, um grupo de amigos saiu para se divertir. Como de costume, fizeram um “aquecimento” num lugar muito “querido” por eles...

Começaram a noite animados. Dirigiram-se para uma casa noturna a fim de ter uma noite divertida e agradável, ainda mais pelo motivo de ter que comemorar o aniversário de uma amiga. Após muito rock, cerveja e “Alexander”, resolveram voltar para o lugar do “esquenta”, com o desejo de saborear um lanche-maravilhoso-pós-balada que somente aquele lugar oferece.

Assim, esperando o lanche, uma das pessoas do grupo resolveu acender um cigarro, como costumeiramente as pessoas fazem naquele lugar. Após somente três tragadas, esta pessoa foi interrompida com uma batida no seu ombro. Virou-se para trás para ver quem havia lhe chamado. Assim, um homem, de mais ou menos uns trinta anos, que estava lanchando no local, solicitou furiosamente: “Por favor! Apague este cigarro! Estou comendo!”

A pessoa, educada, imaginando o estado de embriaguez daquele senhor, e observando a expressão irritada do homem, ergueu os braços, como se estivessem lhe pronunciando “Mãos ao alto!”, respondeu em tom compreensível: “Tudo bem!” E gentilmente apagou o cigarro. Mas não engoliu sua própria atitude. Seu orgulho ficou “entalado” em seu pensamento. Por que não falou alguma coisa? Podia ser do tipo… MEU CIGARRO TE INCOMODA? Ah… essa mania de engolir seco para não brigar com as pessoas… Por que não soltar o verbo e dizer uma grosseria? Tá, tudo bem. Passou. Mais uma vez.

Após comentar sobre a hipocrisia do homem irritado para os demais amigos da mesa, surgiu uma brilhante idéia de um sábio amigo da mesa. Inteligente e sarcasticamente, resolveram “irritar o irritável” e fazer o homem esbravejante ficar completamente irado. As sete pessoas que estavam na mesa acenderam um cigarro cada uma delas. Sete pessoas. Sete cigarros. Fumaça. Muita fumaça. O homem, esbaforindo de raiva, levantou-se da mesa, e proferiu, furiosamente, para a humilde pessoinha, apontando o dedo indicador em seu rosto: “Só não te jogo catchup na cara, porque #>*[#k/=*#@#*#!!!!!”.

A pessoa, sem reação, achou por bem ignorar o desaforo do brutamontes. Afinal, para ela, a melhor forma de atingir e irritar uma pessoa é ignorá-la mostrando indiferença. Após a guerra de palavras, os amigos da mesa, prontamente, partiram para a defesa da pessoa amiga. Todos pareciam seguramente tranqüilos e ao mesmo tempo revoltados. O dono da razão, por sua alegação, disse haver uma lei onde não se pode fumar em ambiente fechado. A turma, com classe, disse não existir lei nenhuma que valha mais que o costume do local. Afinal, era notável que o ser irritável nunca freqüentava aquele recinto, não podendo falar sobre costume e tradição do mesmo. Já o grupo, freqüentadores assíduos, sabia bem mais sobre aquele local do que qualquer outra pessoa.

Assim, chamou-me atenção o fato para análise e pesquisa. Existe sim uma lei que proíbe o uso de cigarros em ambientes fechados. Trata-se da lei 9.294 de 15 de julho de 1996. Em seu artigo 2° diz: “É proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou de qualquer outro produto fumígero, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo, privado ou público, salvo em área destinada exclusivamente a esse fim, devidamente isolada e com arejamento conveniente.”

Tudo bem, a lei é essa. Ela protege o “Sr. nariz empinado”. Mas para a Ciência do Direito nenhum argumento tem fim. Nenhuma palavra tem o poder de dar o ponto final. Engana-se quem pensa que somente tem amparo quem se fundamenta na lei. O importuno ser podia até ter conhecimento. Importuno sim, pois aquela não era hora nem lugar para tanta má-educação e mediocricidade.

Segundo Hans Kelsen, grande filósofo do Direito, “nem toda norma moral é uma norma de justiça”. Explicando melhor: “norma moral” significa a lei e “norma de justiça” constitui o costume e a tradição. Assim, surge o conflito e a luta de divergências entre o “direito positivo”, aquele baseado nas leis do direito, e o “direito natural”, baseado essencialmente nos costumes e tradições de um povo. Assim, Kelsen nos põe a pensar que a lei não tira a razão de tudo. Em sua obra “O problema da justiça”, este grande pensador traz a defesa do grupo de amigos. Em seu texto, menciona: “… a norma de justiça e a norma do direito positivo são consideradas simultaneamente válidas. Tal, porém, não é possível, se as duas normas estão em contradição, quer dizer, entram em conflito uma com a outra. Nesse caso, apenas uma delas pode ser considerada válida. Em face de uma norma de justiça pressuposta como válida não pode ser considerada válida uma norma do direito positivo que a contradiga…” Aqui, na linguagem de Kelsen, “validade” deve ser entendida como validade objetiva. Isso quer dizer que, quando duas leis estão em choque, apenas uma delas é válida.

É lógico que as leis têm força coercitiva. O que Kelsen enfatiza neste contexto é a contradição das leis com os costumes, quando ambos conflitam. Foram através dos costumes que surgiram as leis. Por que optar pelo derivado quando temos em evidência a força da origem? Então, por que optar pela “lei que proíbe” e não pelo “hábito de fumar das pessoas que freqüentam o lugar”?

Assim, temos as duas versões, a lei e Kelsen. Considere que cada ser tem uma filosofia de vida, um entendimento diferente. O poder de persuasão atinge os dois lados. Basta decidir o que mais pesa na balança da justiça. Eu aposto na força das tradições, lembrando que o “direito positivo” surgiu através do “direito natural”. Através dos costumes e tradições da Antigüidade é que surgiram as leis que vigem em nosso país. O “direito natural” é necessário, essencial e gritante. Nem sempre a lei vence. Ponto positivo para os sete amigos, os sete cigarros e as fumaças…

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